Nem todos comem e ainda aqueles que comem não comem em qualquer lugar. A beterraba é uma raiz recheada de açúcar e que faz parte da família das Quenopodiáceas e também da minha família. Desde a fuga da minha vó para o Uzbequistão. Na ocasião, fugindo da guerra, ela juntava a fome com a vontade de brincar.
Morando em casebres em Tashkent, ela ia com os irmãos para a linha férrea ver o trem passar e principalmente parar. Era quando o veículo estava estacionado que escalavam um vagão e pegavam o maior número possível de beterraba. Sem sacolas, seguravam o que davam usando a roupa como suporte e corriam para casa. Era graças a este carregamento no vestido e em camisas sujas que conseguiam um pouco mais de comida e também de açúcar.
Nos anos de 1940, açúcar não custava menos de um real e a União nem devia saber da existência do Uzbequistão. Agora, porém, a beterraba é vista praticamente com desdém. Não se vê a raiz nas capas de revistas ou como a salvadora de colesterol, resfriados ou qualquer tipo de doença. Mesmo assim, a minha família não perde a chance de botar a raiz na mesa. E em qualquer oportunidade, ela não perde a oportunidade de fazer o filho comer a beterraba. Seja nos almoços na casa dela seja em uma visita para um cafezinho rápido na hora do almoço dele. Seja 50 anos depois e bem longe da guerra.
Cena 1
- O senhor aí, barbudo e careca, pára e coloca as mãos na cabeça.
- C-c-c-calma seu policial.
- Então deixa a mochila no chão. Podemos revistar?
- Mas não tem nada na mochila.
- Então não há razão para temer, não?
- Olha, na verdade só tem papéis e beterraba?
- Como?
- Isto, beterraba.
- E o senhor está vindo com gracinhas, é?
- Não senhor. Foi minha mãe que fez e deu hoje à tarde para mim lá no meu trabalho.
- O senhor é um fanfarrão? Esta mochila está bem pesada para quem diz estar carregando só beterrabas. Vou levá-lo direto para a delegacia.
- Mas eu preciso ligar para a minha mulher para avisá-la. A gente ia no cinema e...
- Sem mais um pio. Entre no camburão!
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Cena 2
Manchete nos sites
Beterraba na mochila salva jornalista de bala perdida
Um jornalista que caminhava pela avenida Paulista escapou de ser uma vítima de bala perdida graças a várias beterrabas guardadas na mochila na noite desta quinta-feira, em São Paulo.
No primeiro momento, a cena assustou as pessoas no local por conta do líquido avermelhado saindo da mochila do homem de 32 anos. As coisas se acalmaram após ele se levantar e os policiais perceberem que a avermelhado era por conta de beterrabas.
“Minha mãe deu este monte de beterraba com cebola... Ela me visitou no trabalho hoje... Eu não pedi, mas ela sabe que eu gosto...”, afirmou ele, ainda atordoado com o acontecimento.
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Cena 3
Um ladrão sai correndo levando uma mochila branca e preta. Feliz pelo primeiro assalto, não vê a hora de chegar em casa e saber tudo o que roubou. “Deixei o playboy de boca aberta e gritando alguma coisa que terminava com ‘aba’. Hahahaha. Trouxa!”
Nas quebradas, chamou os camaradas e abriu a mochila. “Um tapuér vazio!”. Tudo bem, isto devia ser camuflagem do playboy, pensou. Jogou a papelada no chão e viu a sacolinha de papel. “Ah, agora eu me dou bem”. Ao tirar um novo plástico, não botou fé no conteúdo daquele que foi o primeiro e último assalto.
Um ano depois, andando com a pastinha embaixo do braço, só lembrou de mostrar o dedo médio para o primeiro motoboy que passou gritando: “E aí, Beterraba, o que anda fazendo por aqui?”. Com o apelido que ganhara da própria mãe após o fatídico roubo, o novo office-boy da praça tinha pressa em chegar no banco antes das 16h. "Beterraba é a puta que o pariu!"
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Alguém aí quer beterraba com cebola?
Comentários
Pais, NUNCA forcem seus filhos a comer alguma coisa. Blergh.