Quinta-feira

Edir chegou para trabalhar na quinta-feira com gosto de sexta. Ele já não via a hora de chegar logo o sábado. A semana tinha sido desgastante e aquela sensação de acordar em plena quinta achando que era sexta só poderia ser um mau presságio.
Chegou no trabalho, ligou o computador e levantou para tomar o primeiro café do dia. Ao sentir a queimação do amargo, viu parte da avenida Paulista que conseguia enxergar através da janela da copa. Pouco trânsito, alguns pedestres e os ônibus passando com mais barulho do que com gente. Nada de novo, pensou, até reparar um homem de amarelo correndo no cruzamento da Brigadeiro com a Paulista. Olhou de novo e não acreditou naquilo que viu. Um marronzinho da CET correndo para tentar ajudar a manobrar um caminhão? Não podia ser verdade. E desde quando um funcionário da CET corre literalmente para colaborar? E o que ele vai fazer com o caminhão? Ah, o caminhão está chegando perto da calçada para arrumar o farol que um louco destruiu ao enfiar o carro!
Edir voltou para a mesa com uma sensação. Aquilo só poderia ter sido um aviso. E provavelmente seria algo de muito bom que iria acontecer naquela quinta. Quem sabe, o chefe daria a sexta de folga. Ou mesmo, quem sabe o chefe esqueceria da existência do próprio Edir naquela quinta. Ele, então, tratou de arregaçar as mangas.
Começou fazendo com vontade tudo aquilo que o chefe mandou na noite anterior. Fez exatamente o que foi pedido. Nem uma vírgula a mais e nem uma a menos. No ponto. Quando o chefe chegar, vai ficar tão feliz que vai deixar, na pior das hipóteses, deixar sair mais cedo na sexta-feira.
- Olá Edir, como você está?
- Bem, e você, chefe?
- Posso ficar melhor dependendo do que você tiver para me entregar.
- Já está no seu e-mail, conforme você pediu.
- Muito bem. Deixe eu abrir aqui o e-mail... Opa, péra aí.
- O que foi?
- Mas isto está errado!
- Como assim? Eu não fiz exatamente do jeito que você me pediu?
- Imagina! Você acha que eu pediria algo neste naipe?
- Olha, me desculpa, mas está exatamente como você me pediu ontem à noite.
- Eu jamais diria para fazer algo assim. Está ruim, está errado.
- É, eu até tentei argumentar isto ontem à noite, mas você garantiu que era esta a maneira e...
- Olha, eu não pedi isto ontem, nem anteontem e nem nunca. Não seria tão louco de pedir isto. E você vai ter que refazer! E não é daqui a pouco e nem em instantes. É para já, entendeu?
Edir retornou para o seu computador, refez todo o trabalho, pegou um novo cafezinho e se aproximou da janela. A Paulista parada, os carros não sabendo para onde ir por conta do caminhão ocupando uma das faixas ainda tentando arrumar o farol e o marronzinho ali na esquina, com o bloquinho na mão, anotando todas as placas do mundo em minutos. E lá se foi uma quinta com cara de segunda-feira...

Comentários

Anónimo disse…
o bom de uma sexta com cara de segunda é que vem o sábado e domingo para esquece-la.
o_argentino disse…
mega-sena é a esperança e a esperança é o pão dos miseráveis. trabalhar de sábado e domingo e folgar de segunda a sexta é um sonho impossível, mas é um sonho...
Não sei se fico mais triste pelo Edir ou pelo marronzinho. O cara não pode dormir sossegado depois de exercer uma profissão em que sua principal função é ajudar os outros, mas que hoje virou uma máquina de fazer dinheiro