Boa noite

Tarde da noite. Nenhum barulho na casa. A mais velha das três irmãs acordou e tratou de vasculhar todos os cômodos. “Onde será que o papai está? Meu Deus, ele não está em nenhum canto!” O desespero da menina de 12 anos cresceu, mas aquilo não podia ficar daquele jeito. Tratou de acordar as duas irmãs mais novas e acabar com o irritante sossego angelical de ambas, que só aumentava o desespero. O pânico tinha que se alastrar.
As três se entreolharam e não sabiam o que fazer. A mais nova esboçou voltar a dormir. O sono batia de uma maneira incontrolável, mas as ameaças das irmãs foram mais altas. Ela sabia que um beliscão era ruim, mas que dois seriam ainda pior. E que em ambos os casos não conseguiria dormir de novo tão cedo.
Sem saber o que fazer, elas só não queriam acender a luz. Primeiro, para ter a certeza absoluta de que o pai não estava em casa. A última vez que fizeram isto foi quando descobriram que a mãe havia desaparecido sem deixar vestígio e que desde aquele dia tudo só piorara. Segundo, porque sabiam que o pai, quando entrava na rua do prédio da Aclimação, sempre olhava para o alto para ter certeza de que todas as luzes estavam apagadas e que as filhas estavam dormindo. Bastava uma estar acordada para todas as três ficarem sem poder jogar Wii por um final de semana inteiro.
Assim, as três sentaram como chinesinhas, armaram um círculo e trataram de rezar baixinho. E começaram a fazer promessas. O pai tinha que voltar para casa, ele não poderia sumir. O medo começava a tomar conta de cada pedacinho do corpinho branco das meninas. A mais nova não se agüentou e começou a chorar. Era uma mistura de desespero, cansaço, sono e uma vontade imensa de fazer xixi. As outras duas tentavam acalmá-la, mas só diziam que ninguém poderia sair daquele círculo, “senão o papai jamais voltaria”.
De repente, a chave tentando ser encaixada na fechadura foi ouvida. Mesmo no escuro era notável os olhinhos das três brilhando.
“Vamos, vamos! Corram para o quarto. Ele não pode nos ver acordadas”, sussurrou a mais velha. A do meio nem pensou duas vezes. Contando com a meia no pé, chegaram no quarto sem qualquer ruído. O alívio era grande e o sono logo viria.
“Mas cadê a Pixuca?”, perguntou a do meio.
Tarde demais. A caçula não conseguiu obedecer ao cérebro. A emoção e o xixi prenderam-na no chão. Depois disto, só ouviram o pai bêbado dar um esporro após tropeçar naquele tico de gente paralisada no meio da sala. Sobrou ainda alguns tapas na Pixuca até ela aparecer no quarto apenas com gotas secas no rosto.
“Agora está tudo bem, o papai está em casa”, disse ela baixinho, puxando o cobertor para junto do corpo. “Boa noite”.

Comentários

o_argentino disse…
Gostei! Eu estava dentro da cena... isso mostra uma ótima descrição... eu vi as três fazendo tudo...
Gostei do "Wii".
Terá continuação contando a história da mãe?
FAFÁ disse…
doíííduuu
Anónimo disse…
caro argentino, irei pensar nesta tua idéia.
cara fafá, foi mal ;)