Traidor

Ariel mal tinha acabado de desligar o telefone sem fio no seu quarto quando uma avalanche de caras fechadas fizeram o cerco contra ele. Sem ter para onde ir e nem mesmo saber o que dizer, ele tratou apenas de tentar olhar para cada uma das três pessoas presentes.
- Como você pôde fazer isto?
- Você viu o que acabou de fazer?
O terceiro elemento só olhava com cara de desdém.

Traidor! Naquele momento, Ariel virou um traidor da nação. Foi execrado com as palavras, chutado moralmente, violentado psicologicamente. A pressão que recebeu foi mortal. Mas traição era assim mesmo. Este é o preço da traição, pensou.
No instante, porém, Ariel só queria mesmo poder voltar no tempo. Ou melhor, fazer o tempo voltar e ele arrumar tudo o que havia feito. Ou seja, não fazer mais nada. Ele não percebeu como foi manipulado pelo inimigo, como se deixou levar por aquela voz grossa mas doce do outro lado da linha. Para ele, apenas mais uma conversa informal. Mas não era. Ele esqueceu que aquilo era um período de guerra, uma legítima guerra fria e que ele era um dos agentes. No caso, um agente duplo, um espião inimigo, algo que não é aceito por qualquer nação da face da Terra. Ariel não só não pensou em seu ato, como cagou em cima.
- Mas por que você falou?
- Eu, eu...
- Eu não acredito! Eu sempre disse que não era para contar nada sobre a minha vida e agora você faz uma destas?
- Eu, eu...
As lágrimas foram mais fortes e Ariel desabou. Esperando um abraço ou ao menos um tapinha nas costas, Ariel sentiu que estava mais prestes a ganhar cassetetes na nuca do que um simples “não repita mais isto”.
- Eu não vou mais fazer isto, eu juro!, tentou gritar.
- Claro que não vai fazer. Não precisa! Afinal, você já fez tudo o que poderia de pior! Já contou tudo o que tinha para contar, não?
Na verdade, Ariel nem contou tantos detalhes, mas foi o suficiente para deixar os aliados putos.
- Mas eu só contei que você estava trabalhando em uma loja no Brás, nada mais!
- Mas agora o seu pai descobrirá facilmente o nome do lugar onde eu trabalho! Me diz, para que eu ensino vocês as coisas se vocês fazem isto? O que eu fiz para merecer tudo isto? Já não basta ter casado com o seu pai?, gritou a mãe.
Obviamente as perguntas eram retóricas.
- Você é um doente, disse o irmão mais velho.
- Você é uma anta, emendou a irmã.
Sem forças, Ariel não conseguiu nem deitar na cama para chorar. Aos 14 anos, ele achava que não merecia nem a cama como consolação. Ele só se perguntava por que havia feito aquilo, sem ao menos se questionar que aquele ser do outro lado da linha era o seu pai, o mesmo pai que foi expulso de casa por orgulho da mãe, apesar dele nunca ter deixado faltado um rolo de papel higiênico ou mesmo nunca ter levantado a mão ou a voz contra qualquer integrante da família.

A partir daquele dia, definitivamente, Ariel aprendeu que falar a verdade, para quem quer que fosse, era um dos maiores castigos da vida. Hoje, vereador homossexual não-assumido de uma cidade próxima da capital, só liga para a mãe no Natal. E não teve mais notícias do pai desde aquela conversa.

Comentários

o_argentino disse…
o preço pra quem fala a verdade é quase sempre alto mesmo...e as pessoas vêm problemas onde não existem o tempo todo...

gostei!
FAFÁ disse…
principalmente quando a guerra é ex-marido x ex-mulher