Futebol da firma

Alcivam acordou contente demais naquela manhã. Aliás, a grande novidade era justamente ele acordar de bom humor. Minarvina ainda nem tinha conseguido abrir os dois olhos direito quando bateu o estalo.
“Como num sábado de manhã ele acorda cedo e ainda todo sorridente? O que será que ele está aprontando?”, pensou.
Inicialmente, Minarvina teve a luz de que ele havia se lembrado do aniversário de casamento. Quinze anos juntos! Que maravilha! Enfim, ele pensou em comprar algo com antecedência de uma semana. Este deveria ser o novo recorde não só olímpico como mundial. “Tudo bem que é nosso aniversário, mas todo este humor? Tem coisa aí!”, pensou.
Ela se levantou e só passou a acompanhar com os olhos os movimentos do marido. Quando pensou em abrir a boca, lembrou que era necessário escovar os dentes. Tudo bem que a desconfiança crescia, mas ninguém merece um bafo logo cedo.
Enquanto isto, Alcivam nem dava bola para a mulher no canto da cama. Cantarolava e pegava uma toalha nova, cheirosa e bem macia para o seu banho. Nem se deu o trabalho de fechar a porta do banheiro. Cantarolando, ainda aproveitou a água quente do chuveiro para fazer a barba. Feliz da vida, foi do banheiro direto para o quarto e continuou a se arrumar sem reparar na cara de nenhum amigo da mulher.
- Posso saber para onde o mocinho vai?, perguntou ela, dando ênfase no “mocinho”.
- Não te falei? Vou jogar bola com os amigos do trabalho.
- Jogar bola, no sábado de manhã?
- É. Foi exatamente o que eu falei. Por que está repetindo?
- E para que tomou banho?
- Ué, porque estava fedido.
- Fedido para jogar bola? Não é você mesmo quem sempre diz que futebol é para homem, que só tem homem e logo não precisa se preocupar com estas coisas de banho? Então, para que precisa ir cheiroso?
Alcivam não acreditava no que estava ouvindo.
- Mina, querida. É porque eu estava extremamente fedido, foi só isto.
- Sei, e a barba?
- O que é que tem? Fiz errado? Tem pêlo sobrando aqui perto da orelha?
- Não se faça de desentendido, Alcivam!
Mas Alcivam continou sem entender nada.
- Primeiro acorda todo felizinho em pleno sábado de manhã. Depois, vai tomar banho, faz a barba e diz que vai jogar bola? Você acha que sou uma otária? Uma imbecil? Uma idiota?
- Não, não é nada disto.
- Então acha que sou uma perfeita trouxa, uma corna!
- Imagina, querida, eu só vou jogar bola no campeonato da firma...
Mas a explicação não ajudou nada, e Minarvina soltou as próximas palavras em menos de três segundos.
- E quem é que faz a barba para jogar futebol? Você acha que me engana? Você está achando o quê? Qual é o nome da vagabunda, da biscate, hein? Vamos, me fala! Deve ser uma puta lá do seu trabalho!
Alcivam já se preparava para tirar a chuteira, o meião e a camisa para ficar em casa quando lembrou do site do campeonato que a empresa havia feito. Ele ligou rapidamente o computador, apesar de o computador nunca ligar rápido quando se precisa. Abriu a página e mostrou para a esposa que ele realmente estava indo jogar bola, que ele só havia feito a barba porque estava muito grande e já começava a incomodar.
Minarvina, porém, continuou incrédula até chegar ao ponto de esgotar a paciência do marido.
- Então, faz o seguinte: vamos juntos! Você vai lá comigo e acompanha se eu realmente não vou jogar bola. Mas é o seguinte: não vai ficar reclamando que ficou vendo um bando de grosso jogando bola, que isto é chato, que isto, que aquilo! Vai, pega logo a sua bolsa e vamos juntos!
Sem querer dar o braço a torcer, Minarvina disse que ele poderia ir sem ela. Mas que era bom ele aparecer antes do almoço porque senão só iria vê-la diante de um advogado.

E Alcivam foi. Jogou o futebolzinho com o pessoal da firma, fez dois golzinhos, ficou todo saltitante. Após a partida, ainda deu tempo de tomar dois chopinhos e tomar um novo banho. Chegou em casa com cara nova, cansado, mas com um prazer renovado na face. Abriu a porta da sala e sentiu um gostoso cheiro de almoço caseiro. E parecia ainda ser frango com batatas ao forno e arroz. Aquele cheiro era inconfundível. Entrou na cozinha e viu Minarvina lhe abrir um largo sorriso. Um sorriso que só aquela morenona seria capaz de dar para ele. Ela o beijou na boca, abraçou e quando se preparava para tirar a camisa dele...

- O que foi, Minazinha?
- Que cheiro é este?
- Ué, cheiro do frango que você está fazendo, não?
- Não me venha com conversa. Este perfume, de onde é?
- Mas eu não passei perfume, disse ele, já abrindo os braços para um novo carinho na mulher.
- Tira este braço fedorento perto de mim. Disse que foi jogar bolá, né? Mas este cheiro de perfume de motel de quinta categoria? Você é um cafajeste. Ou melhor, é um filho da puta mesmo. Bem que a sua própria mãe já havia me dito que você não prestava. Seu canalha, seu porra, seu merda...

Alcivam bem que pensou em explicar o que havia acontecido, mas enquanto tratava de esquentar a água do miojo com tempero de galinha caipira só conseguia era se lamentar de ter pedido o sabonete emprestado do Jidenal. “Não sei como ele ainda pega mulher”, pensou, em meio aos xingamentos de Minarvina.

Comentários

FAFÁ disse…
miojo? e o frango com batatas que fim levou?
Anónimo disse…
Pô. Se o lance é ficção, podia pelo menos dar uma aumentada ali quando fala que o time da firma é bom bragaray.
o_argentino disse…
Elas acreditam nos cafajestes e desconfiam dos trouxas certinhos, como nós... aliás, parabéns pela criatividade para criar os nomes!
Márcia disse…
Voce deveria publicar todos esse deliciosos contos, isso sim!!!