Revenge

Claudinho e Tiquinho sabiam por que estavam lá dentro daquela kombi aperfeiçoada para entregar jornais, às 2 horas da manhã.

Castro há tempos tinha perdido o emprego por conta da baixa circulação dos jornais, mas convenceu de uma forma não convencional a colocar os dois amigos dentro daquele veículo 1978 para deixar Guarulhos em direção aos Jardins.

“Porra, véio. Você é maluco ou o quê? Cê tá virando 13 igual ao Marcola?”, disse Claudinho.

Castro não gostou da comparação com o Marcola, que encheu a cara de cola e crack e teve que ser amarrado na cama pela irmã. Mas Castro tinha outra prioridade. E não era mandar Claudinho tomar no cu. Até porque naquele momento ele precisava de Claudinho, o mais forte de todos.

O noticiário que tomava conta dos jornais, sites e televisão mexeram com ele. Aquilo não era certo. O mundo acabando e todos só falando sobre isto! Ainda mais porque cresceu lendo aquelas histórias em revistas já desbotadas que sua mãe pegava no lixo da patroa. Nos Jardins.

Patroa, aquela vaca. Usou como desculpa a tremedeira nas mãos da mãe para anunciar a demissão. Coincidentemente foi justo na criação da nova lei das faxineiras. “Filho, deixa isto para lá. Vamos tocar em frente”, disse a mãe, passando o café na cafeteira Walitta dos anos 90 que a patroa havia jogado fora há vinte anos.

Não, mãe. Aquilo não podia ficar assim. Ele não falou, mas pensou. Havia um grito guardado dentro de seu pulmão.

Foi quando aquele noticiário infame começou a tomar conta em todos os cantos.

Claudinho e Tiquinho. Eles me devem uma. Ou eles acham que eu esqueci o dia em que ajudei eles ao ser o motorista da kombi para buscar o que restou da cerveja virada do caminhão da Nova Schin na Dutra. “Foi um acidente, Castro, acredite. Não tivemos nada a ver com isto”, disseram. O duro foi acreditar que eles haviam pedido a kombi emprestada meia hora antes da carreta virar.

“Porra, Castro. Mas a gente pode se fodê feio. O que cê ta querendo é coisa de 13, porra!”, disse Claudinho, já na entrada da marginal Tietê.

A mesma frase foi dita por Claudinho no caminho de volta, mas desta vez na Vila Gustavo. A ideia de voltar pela zona norte foi para evitar uma possível blitz na Dutra. Castro concordou em ir por dentro e até com a indignação de Claudinho, mas apenas internamente. Sabia que aquilo tudo era uma loucura, mas ele tinha que dar uma resposta para aquele povo metido.

Tiquinho estava no meio dos dois no banco da frente, o único que restava daquela kombi. Não sabia se gritava pela loucura ou por estar sem cinto naquele veículo dirigido freneticamente por Castro.

“Mas onde você vai enfiar esta merda, agora, Castro? Esta bosta é maior que o Tiquinho e deve ter uns 15 quilos, caralho!”

Castro não sabia. Primeiro ele ia mostrar para a filha. Queria que a pequena e as amiguinhas dela tivessem o gosto de ver de perto o objeto, sem terem que ser encaradas por aquela bando de filhodaputa dos Jardins, saltitando em seus saltos, suas banheiras com quatro rodas e perfumes caros. Mais do que isto: queria poder ver a cara do filho da patroa com os olhos vermelhos e aquele cabelo lavadinho chorando porque tinha perdido algo pela primeira vez na vida.

No dia seguinte, sem ter conseguido pregar os olhos de ansiedade, leu e viu em todos os canais. Todos.

ESTÁTUA DA 'MÔNICA PARADE' É FURTADA EM SÃO PAULO


Estátua da Mônica é furtada da rua Oscar Freire, em São Paulo


Escultura da Mônica é furtada nos Jardins


Policiais civis estão à procura da estátua da Mônica furtada na rua Oscar Freire. Investigadores procuram câmeras de vigilância para tentar descobrir alguma pista.

Tiquinho e Claudinho não saíam de casa. Castro via tudo aquilo com uma mistura de satisfação e medo.

Guardou a kombi e seu troféu por quatro dias. Até a mãe pedir uma carona até o pronto-socorro logo na manhã do dia seguinte. A tremedeira na mão estava pior.

Foi até o matagal atrás de casa, deixou a estátua em pé. Ele garantiu a Claudinho e Tiquinho que não jogou. Deixou em pé e que, com voz de criança, ligou para avisar a polícia de um orelhão público.


Dias depois o noticiário era outro. Haviam roubado o Sansão. Castro jurou a Claudinho e Tiquinho que ele estava fazendo um bico do outro lado da cidade. Desligou o telefone e ficou encarando aquele ser orelhudo com um sorriso dentuço à sua frente. Mas agora sem medo. Só satisfação.

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