O grupo da morte

Alemanha, Irã, Israel e Argélia.

Nunca o termo grupo da morte se encaixou tão bem. Ironia à parte, o sorteio fora feito e nada conseguiria mais alterar o rumo.

Muitos dirigentes e políticos tentaram cancelar e cobrar um novo sorteio. Outros falaram em marmelada, jogo político. As mídias sociais explodiram com tamanha coincidência. Afinal, quem acredita em tanta coincidência?

A Fifa, porém, se defendeu. Sempre deixou claro as regras. O que não pode acontecer, diz a entidade, é dois países do mesmo continente se enfrentarem na fase de grupos, com exceção, obviamente, da Europa.

A empresa dona da Copa lembrou que não partiu dela a ideia de tirar Israel da federação asiática e colocar na Europa.

Comentaristas da CNN e BBC começaram a contar as histórias que justamente nos anos 60, ao perceber como o futebol poderia ser explorado dentro no mundo político, o Irã fez uma força para tirar Israel da confederação asiática de todos os esportes, não apenas do futebol.

Ao ver a seleção israelense ser vice continental em 1956 e 1960 e campeão em 1964, o Irã sentiu o gostinho político e esportivo do título apenas em 1968, quando foi anfitrião. E mesmo assim ainda engoliu o fato de Israel subir no pódio com o terceiro lugar.

Como poderia um país que vivia em guerras, com uma população trocentas vezes menor do que a sua e que tinha menos de 30 anos de idade superar países centenários como o próprio Irã, Iraque, Índia... Os políticos iranianos, continua a reportagem da BBC, sabiamente cresceram os olhos e fizeram com que Israel deixasse de ser um representa asiático no mundo esportivo.

Nem Israel e nem a Fifa acharam ruim a ideia, mostra reportagem do New York Times. Desta forma, Israel conseguia se aproximar mais do mundo ocidental, da Europa. Poderia crescer em campo e em políticas internacionais, reforça a CNN. Só tinha a aprender, apesar de perder a chance de aumentar o número de conquistas. Já a Fifa ficava amiga dos dois lados, em uma época em que o petróleo passou a ser uma moeda bem forte.

Agora, porém, mais de 50 anos depois após a sua primeira e única participação, no México, Israel voltou para a Copa. Passou pelas eliminatórias europeias, ficou atrás apenas da Itália. Venceu Portugal na repescagem e entrou no Mundial. Assim, chegamos ao estádio em formato de concha de Doha, no Qatar.

Dezembro de 2021.

Escolta da ONU, Otan e FBI acompanham dois ônibus partindo de dois diferentes hotéis, separados apenas 12 km cada um.

O primeiro ônibus entra saudado, muita festa, gritos de guerra, cartazes com estrelas de Davi com uma faixa vermelho cortando a imagem. Uma outra mostra a estrela de Davi comparada à suástica. Muito barulho, muita festa, muitos olhares raivosos.

Sete minutos depois, entra o segundo ônibus. Muita festa, gritos de guerra, cartazes com estrelas de Davi entre duas faixas azuis. Paz, Peace, Salam e uma bandeira da Palestina sendo queimada.

Dentro do estádio o que se ouve é um silêncio ensurdecedor. Forças de segurança monitoram tudo e todos. Qualquer tipo de movimento ou manifestação é detectado. Até para se ir ao banheiro é preciso levantar a mão, pedir autorização e, acompanhado, pegar uma senha, passar por nova revista e ter 4 minutos de licença para usar a toalete.

Ninguém caminha sem ser fotografado e filmado.

Jornalistas que se recusaram a passar por raio-x foram barrados e escoltados até seus hotéis, onde lá tiveram o quarto revistado. Já os jornalistas que fizeram comentários apoiando politicamente um ou outro lado só conseguiram credencial especial e limitada apenas para ser usada no centro de mídia após intervenção da ONU.

Os jogadores passaram por revista de digitais e íntimas. Quase prisioneiros, noticiaram sites após verem as imagens pela TV.

Dirigentes da Fifa aparecem aos montes após meses sem dar declarações públicas. O alívio era evidente após a imprensa britânica iniciar um cessar-fogo sobre os inúmeros casos de corrupção dentro da entidade apenas para comentar sobre o jogo de estreia entre Israel e Irã.

Fotógrafos credenciados apenas de agências internacionais. Para não privilegiar ninguém, nenhum de Israel ou de Irã. Por ordem de segurança. Muitos profissionais já haviam passado pelos exércitos de seus países. Assim, apenas fotógrafos de agências e sem antecedentes de comentários em mídias sociais e também se sobrenomes com ascendência judaica ou árabe.

A Fifa ainda quebrou a cabeça para a escolha do árbitro. Sul-coreano, norte-coreano, italiano, americano, Nada. O brasileiro chegou a ser o favorito, mas ao ver que era cunhado do prefeito de São Paulo que tinha sobrenome árabe, desistiu. O argentino foi rejeitado por ambas delegações. Ficou estabelecido que o nome e o país só seriam conhecidos minutos antes das equipes entrarem em campo.

No vestiário, mais silêncio. Aquecimento em campo fora proibido. Quanto menos ficassem em exposição melhor para todos.

No corredor para a entrada do campo, os times se alinham. A ordem é evitar ficar encarando o adversário.

Aliás, um texto não-oficial da Fifa dá recomendações aos jornalistas. Favor evitar termos bélicos como artilheiros, estratégias, matador e carrascos.

Comentaristas recebem ordens das direções para não usar os termos ‘bombas’, ‘time de guerreiros’, ‘explodiu na trave’, entre outros. ‘Vive um drama’, então, totalmente barrado. ‘Bem amigos’, porém, nunca caiu tão bem.

Quando os times entram em campo, o único barulho é o das máquinas dos fotógrafos. Por decisão em comum acordo, pela primeira vez os hinos não seriam tocados. Neste caso nem foi para evitar que o sentimento patriótico tomasse conta, mas porque não chegaram a um acordo de qual país teria o seu hino executado primeiro.

O árbitro, um suíço, acompanha as equipes em campo, as seleções são apresentadas e cada país vai para o seu canto. Após uma melhor de cinco na mesa do diretor da Fifa, ficou estabelecido quem ficaria à esquerda e quem ficaria à direita.

Times preparados, goleiros e suas luvas revistadas novamente. Todos se olham e se perguntam. Cadê a bola?

O juiz também faz cara de interrogação. Corre para a mesa do quarto árbitro, que é de Luxemburgo, e diz que as forças de segurança ainda não haviam conseguido autorizar a entrada da bola. Na fiscalização a bola fora impedida de entrar.

“Parece que um chip impediu que a bola fosse autorizada a ser colocada em campo”, diz o jornalista da BBC.

Muito corre-corre, caras de absurdo, o árbitro suíço tenta contornar, arruma um telefone celular, mas não parece obter sucesso. Claramente está tomando um esporro homérico, diz comentarista de uma rede francesa.

O jornalista do Guardian começa a escrever em tom irônico no site que o chip dentro da bola não tem a ver com outra coisa que não seja para ajudar o árbitro para saber se a bola entrou ou não. Reforça que o mesmo recurso fora utilizado pela primeira vez na Copa de 2010 no jogo entre França e Honduras.

A força de segurança, porém, se mostra irredutível e deixa bem claro. Com esta bola, não haverá jogo. Que arrumem uma sem nada dentro. Que arrumem uma bola das antigas. Dirigentes da Fifa se descabelam com o atraso da partida com as multas que terão que pagar a seus patrocinadores. “Nem no Brasil isto aconteceu”, reforça o jornalista britânico do Telegraph.

A muitos quilômetros dali, um governo lamenta o ocorrido no ouvido do árbitro. Tanto investimento para monitorar a bola a nosso favor e agora nos fodem! Como é que vou explicar aos chefões, caralho! Como vou dizer que o dinheiro gasto para o chip ser usado a nosso favor não será usado? Você, juiz filhodaputa, sabe que as casas de apostas vão tirar parte do investimento dos bancos suíços, não sabe? E avisa o corno do juiz de Luxemburgo que ele e o país dele estão fodidos! F-o-d-i-d-o-s, entendeu? E desligou para em seguida a transmissão sair do ar.

Comentários

Anónimo disse…
Países "centenários" como... o Iraque? O Iraque foi "desenhado" pelos britânicos depois da primeira Guerra Mundial, e se tornou independente apenas em 1932. Ou seja, não tinha nem 18 aninhos quando Israel "nasceu"...