Os adiantados

Walewska chegou em casa empolgadíssima. Aliás, como havia anos que não chegava. Abriu a porta estabanada, o que provocou uma reação do vizinho da frente. Aquele mesmo que ficava bisbilhotando a vida de qualquer barulho que passava pela área comum do edifício. Mas Walewska nem se incomodou.
Jogou a cesta de palha cheia de frutas em cima do sofá, com um movimento de chute tascou para longe os saltos baixos cada um para um canto da sala. A animação era tanta que nem ligou em ver o sapato cair com a sola virada em cima do sofá laranja. Arrancou o saião de flanela de uma vez e desabotoou os três primeiros botões da camisa branca de linho. A partir daí, já sentia um suor passar pela testa e por trás das costas.
Por via das dúvidas, deu uma verificada em cada canto da casa. Sabia que ainda era cedo para o maridão estar em casa, mas queria ter certeza de que ele não estava lá. Os filhos não estavam. Tinha acabado de permitir que eles fossem brincar na casa da vizinha do 23 e com a ordem de que só voltassem assim que vissem Mariovaldo estacionar o carro na garagem. Aquele momento tinha que ser somente dela. A casa livre para, enfim, curtir o momento. Entrou no quarto apenas de calcinha e com o sutiã levemente aparecendo. Na cama, com o Cristo pendurado na parede branca já descascando, o objeto de desejo se materializava firme e forte. Não foi fácil ter ele em mãos, convencer a si próprio de que permitiria obter aquilo novamente. Depois de 15 anos de casada, ela poderia, enfim, sentir o prazer novamente. Ah, a juventude voltava para o sangue de Walewska. Mariovaldo, naquele momento, era só uma vaga lembrança na vida dela.
Ao passar a mão no primeiro momento, se deliciando com aquela aquisição que só conseguia quando era jovem, solteira e tinha um quarto só para ela, nem notou o barulho das chaves e muito menos a aproximação de Mariovaldo.
“Posso saber o que está acontecendo nessa casa? E ainda no quarto e ainda na nossa cama, dona Walewska?!”, interrompeu o marido.
Walewska não sabia onde enfiar a cara. Tentou encontrar palavras, qualquer uma, tentou até dizer que “não era nada daquilo que estava pensando”. Enquanto caçava letras, Mariovaldo continuou:
“Bem que ao me dizia que teria algo errado. Primeiro, não ouvi as crianças gritando aqui, só na casa da vizinha do 23. Depois, vi até seu sapato em cima do sofá, saia jogada na sala e agora eu entro no quarto e me deparo com isso! Eu não posso acreditar nisso que meus olhos estão me promovendo. Como pode uma mulher casada estar nessa situação, posso saber?”, continuou ele, que ainda emendou. “Eu fico me matando no trabalho, faço de um tudo para ajudar nossas vidas, dar o que a minha mulher quer e agora, no dia em que chego um pouco mais cedo em casa, o que acontece? Acontece que minha mulher está aqui no quarto nessa situação. Em cima dos cobertores, praticamente seminua...”
“Seminua, não. Eu estou de calcinha, blusinha e sutiã. Nem vem!”
“Ah, e ainda acha que está coberta de razão, não?”, respondeu Mariovaldo.
“Mas e você, por que chegou antes?”
“Opa, opa, opa”, troteou o marido. “Não venha querer mudar as coisas de figura. Não sou eu que estou fazendo algo no mínimo, digamos, suspeito. Não sou eu que fiz bagunça pela sala e agora está aqui na cama, assim, com isso aí nas mãos. Acho que a gente precisa conversar, precisa haver mais comunicação entre nós e...”
Walewska respirou um pouco mais fundo e vendo que estava perdido, não se agüentou.
“Só agora você resolveu conversar? Já estou tentando fazer isso há 15 anos e você sempre me ignora! E qual é o problema, posso saber? Eu moro nessa casa e há muito tempo que me privei das coisas que gosto, tá legal? Não vejo mal algum, ainda mais porque você nunca chega mais cedo, vai para o bar quase todos os dias, só vê as crianças quando elas já estão na cama bonitinhas e comportadas e agora vem querer dar uma lição de moral? Era só o que não me faltava, sabia, Mariovaldo”, disse e pulou da cama Walewska com a última Playboy em mãos. “Sabe quanto tempo que não via uma revista dessas? Sabe? Sabe? E eu não sou fingida igual você que vai dizer que gosta das entrevistas. Eu queria um momento meu e não tenho saco para as revistas que você me traz como Marie Claire e Cláudia. Acha que sou uma mulher igual às outras? E quer saber, vai você preparar o seu jantar hoje, ok, porque estou de saco cheio”. Dito isso, voltou para a sala com a revista em mãos, ligou a televisão no maior volume e esqueceu de Mariovaldo.
O marido, por sua vez, ficou boquiaberto olhando para o nada. Tratou de tirar o quadro de Jesus da parede, lembrou que havia prometido de pintar a casa, arrumou a bagunça que Walewska havia feito na cama, ajeitou o lençol e cobertor, botou para lavar a roupa dela espalhada pela casa, pegou a maleta e se fechou no banheiro.
Baixou a tampa da privada, abriu a maleta, e pegou o embrulho. “Porra, se ela ainda me avisasse, eu teria economizado para comprar a Playboy do mês que vem!”

Comentários

Fabi disse…
hummm gostei, então pra arrumar a casa, lavar a roupa é só eu comprar a Playboy???
Anónimo disse…
Véi, munto loko.
Entrou uma mina no seu lugar, mó legal.

Mas já foi embora.

Voltou pra tecnologia kkkkkk.
o_argentino disse…
quem tava na capa da Playboy? :)
Camila disse…
boa, fabis. se comprarmos a playboy tem louça lavada e casa arrumada?? promete?